Um pássaro em Piccadilly Circus
Faz-se um breve silêncio em Piccadilly Circus. Um silêncio estranho para um lugar tão cheio de movimento e vida. Mesmo assim, por um momento, neste local emblemático de Londres (Inglaterra) tudo parece parar. O som dos carros, das conversas, dos anúncios luminosos, tudo se dissolve, e quase posso ouvir o canto de um pássaro perdido entre os prédios ao redor. Parece impossível, mas no meio ao frenesim urbano, há uma pausa que me permite respirar e observar.
Estou sentado num dos degraus em frente à famosa estátua de Eros, Anteros, como dizem os guias locais. As luzes dos painéis eletrónicos gigantes piscam incessantemente ao meu redor, e o brilho constante ilumina o cenário noturno de uma Londres sempre acordada.
O céu está encoberto, e as nuvens, refletindo as luzes da cidade, dão ao ambiente um tom quase artificial, como se a noite aqui nunca fosse realmente escura.
Pessoas apressadas
Enquanto estou aqui, sem pressa, noto as pessoas que passam apressadas, cada uma com sua própria história, seu próprio destino.
À minha direita, um grupo de turistas está concentrado em tirar selfies com os painéis de LED ao fundo. Falam em várias línguas, mas uma das vozes me chama a atenção pela entoação rápida e quase ríspida. Parece alemão, mas não tenho certeza. Olho discretamente e vejo uma guia que tenta captar a atenção do grupo, apontando para os prédios ao redor e explicando a importância do lugar.
No entanto, os turistas estão mais interessados nos reflexos de néon nas vitrines das lojas de moda. Parecem olhar para todos os lados, menos para ela. Talvez tentem absorver tudo de uma vez, mas acabam se perdendo na sobrecarga de estímulos visuais e sonoros. Alguns tiram fotos rápidas, outros já voltam a atenção para os telemóveis, trocando mensagens ou pesquisando o próximo destino.
À medida que o grupo se afasta, continuo no meu lugar, escrevendo no tablet que repousa sobre as minhas pernas. O barulho de um autocarro vermelho de dois andares aproxima-se devagar pela rua. Pára a poucos metros de mim, e o motorista faz uma pausa para observar o trânsito. Ao seu lado, um carro de entregas estaciona de forma quase proibida na esquina, ao lado de uma faixa amarela que claramente indica a proibição. O motorista sai, assobiando para chamar alguém que parece não ouvir. "Olha!" – grita ele, e finalmente um colega aparece de dentro de uma loja de souvenirs abarrotada de turistas. Corre em sua direção, e juntos carregam caixas para dentro do carro, deixando-o ali, sobre a calçada, em pleno Piccadilly.
Movimento contínuo
O movimento nunca cessa. Embora os sons se sobreponham – carros, autocarros, vozes de turistas e moradores – consigo ainda distinguir o canto de um pássaro, algo tão incongruente nesse cenário urbano, como se estivesse deslocado no tempo e no espaço. Olho ao redor, tentando localizar a origem, mas vejo apenas o fluxo contínuo de pessoas passando de um lado para o outro, em busca de novas experiências, de novas fotografias para as suas redes sociais, ou talvez simplesmente em busca de algo que nem elas sabem o que é.
Uma mulher aproxima-se e senta-se ao meu lado por alguns minutos, recarregando suas energias após, porventura, o passeio exaustivo pelas ruas movimentadas de Londres. Não diz nada, apenas respira profundamente, como se estivesse a absorver o ambiente. Quando se levanta, faz com a mesma calma com que chegou, e logo se mistura novamente na multidão que avança pelas ruas.
O som de uma moto rasga o ar e, em seguida, um pequeno carro passa quase impercetível. O seu motor é tão silencioso que parece desaparecer na cacofonia ao redor. Mas logo outro carro, uma carrinha de entregas, faz uma curva brusca e emite um som muito mais alto, travando para dar passagem a um pedestre distraído. O homem cruza a rua sem nem olhar para o motorista, e eu questiono-me se deveria ter agradecido. Eu teria. Mas aqui, na pressa de Londres, ninguém parece ter tempo para esses pequenos gestos.
Vendilhões
Olho novamente ao redor e vejo os vendedores de pacotes turísticos, aqueles que tentam convencer os turistas a comprar entradas para espetáculos ou passeios pela cidade. São incansáveis, tentando atrair a atenção de qualquer um que passe. A maioria dos pedestres simplesmente levanta a mão, recusando a oferta sem parar de andar, enquanto os vendedores continuam insistindo, sabendo que basta uma venda para fazer valer o esforço.
O som de passos apressados e de conversas cruzadas domina a atmosfera, mas, curiosamente, ainda consigo ouvir o canto daquele pássaro. Não sei como, mas ele persiste, como uma lembrança de que, apesar de tudo, a natureza ainda encontra um espaço, mesmo nos lugares mais caóticos.
Um homem aparece do meu lado direito, com as mãos atrás das costas, caminhando devagar. A sua voz é firme, mas não consigo entender o que ele diz. Parece falar sozinho, talvez resmungando sobre o trânsito ou sobre o clima, que, em pleno verão londrino, ainda parece mais frio do que deveria. Segue o seu caminho, sempre com aquela mesma expressão preocupada, sem falar ao telefone ou interagir com ninguém. Apenas passa, como tantos outros.
Ao meu lado, um pombo sai debaixo do banco, caminhando com a tranquilidade que só esses animais têm nas grandes cidades. Muitas pessoas os acham simpáticos, mas poucos sabem que são verdadeiros "ratos com asas", como dizem por aí, pela quantidade de doenças que podem transmitir.
Falar alto
Do outro lado, um jovem fala ao telefone, perguntando a alguém se prefere que ele envie um documento por e-mail. É curioso pensar como as comunicações mudaram tanto. O tempo das cartas já passou, substituído por e-mails e mensagens instantâneas que cruzam o mundo em segundos. O jovem continua falando, com a sua voz alta a sobrepor-se aos outros ruídos ao redor, como se estivesse tentando garantir que o seu sinal chegasse ao outro lado do telefone com mais força.
Pouco depois, ouço o som de uma porta que range. É o condutor do carro de entregas que volta, liga o motor, faz marcha atrás e vai embora sem ser multado. Teve sorte. Não é sempre que os polícias de trânsito dão essa liberdade em um lugar tão movimentado como Piccadilly Circus.
O fluxo de pessoas continua, e mais uma vez me vejo rodeado por turistas que caminham para todos os lados, capturando cada momento da cidade com suas câmaras e telemóveis. Alguns parecem perdidos, enquanto outros seguem com a certeza de que sabem exatamente onde estão. Piccadilly Circus é assim: um ponto de encontro de culturas, histórias e destinos que se cruzam sem nunca realmente se encontrar.
As horas passam, mas o movimento não diminui. Volto a me sentir pequeno em meio a esse turbilhão de gente. Mesmo com tantas vozes e rostos diferentes ao redor, o silêncio interno prevalece, como se o tempo aqui tivesse o seu próprio ritmo, alheio ao que acontece lá fora.
E então, quando penso que tudo está se acalmando, ouço novamente o canto do pássaro, insistente, teimoso, como a cidade, que nunca para de se mover.
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