Macau, a região dos cheiros que encantam


Faz-se silêncio neste lugar cheio de movimento e sons, em pleno Centro Histórico de Macau. Uma região onde as tradições orientais se misturam com as influências ocidentais, portuguesas, de uma maneira única. 

Sentei-me num banco de pedra ao lado das ruínas da Igreja de São Paulo, o lugar que é um símbolo da história de Macau, mas agora é uma pausa no meio do ritmo frenético da cidade. O calor da tarde parece envolver tudo, mas a brisa que vem do mar alivia. Não é um vento forte, é suave e mistura-se com o cheiro de comida de rua e o perfume das flores tropicais que brotam ao redor.

Não é só o calor que me envolve, mas o movimento, que parece nunca parar. Aqui, as pessoas andam para lá e para cá, turistas e locais, todos imersos em suas próprias rotinas. Eu fico parado, observando. Ouço o som de passos apressados, de vozes que trocam cumprimentos rápidos, de crianças que correm e riem. A maioria não nota as pequenas coisas ao seu redor, como os detalhes das fachadas coloniais ou o som suave de um sino distante.

O ruído de Macau é constante, mas há uma melodia discreta que se forma. Um carro passa com um som grave do motor, seguido por uma mota que deixa ruído pela rua, cortando o ar com uma velocidade efémera. De repente, uma carrinha de entregas estaciona, e o motorista sai, dizendo algo para um pedestre que parece não ouvir. Faz um gesto com a mão, apontando para a rua, e o homem, sem parar, acena com a cabeça como quem diz “tudo bem”. No ar, uma mistura de sons: o barulho de um tuk-tuk, uma bicicleta rangendo nas pedras irregulares, e a conversa animada de um grupo de turistas.

Levanto os olhos e vejo um grupo de chineses do continente, que tiram fotos freneticamente diante das ruínas da Igreja de São Paulo. Estão mais interessados nas selfies do que no monumento em si, mas para eles, estar aqui e capturar o momento parece ser mais importante que tudo. Alguns gritam e posam para a câmara, enquanto outros seguem um passo à frente, observando tudo ao redor, como se estivessem absorvendo cada pedacinho de história que Macau tem para oferecer.

Ao longe, uma senhora de idade caminha devagar, sozinha, apoiada em uma bengala. Ela parece não se importar com o barulho ao redor, com o movimento das pessoas que passam apressadas. O seu olhar é calmo, focado em algo distante, talvez no passado, talvez em lembranças de tempos mais tranquilos. Ela anda em direção a um templo chinês decorado com lanternas vermelhas, que parecem dançar levemente com o vento. É o Templo de Na Tcha. A sua presença faz-me perceber que, no meio a toda essa agitação, há espaço para momentos de reflexão silenciosa.

Logo atrás de mim, um grupo de jovens em trajes casuais de turismo se aproxima. Falam alto, rindo, e distraem-me com o brilho das suas conversas e gestos exagerados. Um deles, de cabelo curto e t-shirt de uma banda famosa, parece explicar algo com bastante entusiasmo. Os outros ouvem atentos, mas de vez em quando desviam os olhos para os vendedores ambulantes que oferecem lanches, brinquedos e lembranças. Um homem com um grande chapéu de palha oferece postais e ímanes para frigoríficos tenta captar a atenção daqueles que parecem alheios ao seu apelo.

Observo tudo sem pressa. Perto de mim, um homem idoso, com um boné surrado e roupas simples, aproxima-se lentamente, puxando um carrinho de madeira com frutas. Oferece uma fatia de melancia a uma mulher que passa, e ela, sem hesitar, pega a fruta e entrega algumas moedas. O homem sorri, mas o seu sorriso é mais de cortesia do que de real prazer. Ele segue o seu caminho, empurrando o carrinho, enquanto ela segue em direção ao templo, sem olhar para trás.

Mais adiante, um vendedor de rua está oferecendo as suas mercadorias: chinelos, t-shirts e guarda-chuvas. Fala com rapidez, como se as palavras saíssem sem descanso. Mas a maioria das pessoas o ignora. Alguns, no entanto, param e olham os guarda-chuvas coloridos com interesse, tocando neles antes de seguir em frente. Ele, por sua vez, parece não se importar com os olhares indiferentes; segue oferecendo a sua mercadoria como se fosse o item mais essencial do dia.

A escadaria à minha frente enche de turistas de várias nacionalidades, mas há uma diferença clara entre os locais e os visitantes. Os locais andam rápido, com olhares focados, parecendo saber exatamente onde vão. Já os turistas olham tudo com um ar de encanto. Alguns perdem-se pelas vielas estreitas, onde as fachadas dos prédios antigos se misturam com lojas modernas e restaurantes de fusão. Há algo de único nesse equilíbrio entre o antigo e o novo, uma convivência harmónica entre os tempos.

Um grupo de turistas portugueses aproxima-se, parando para tirar fotos. Discutem sobre qual ângulo seria o melhor para capturar a fachada da Igreja de São Paulo ao fundo, sem perceberem que o cenário que eles estão fotografando já foi visto e registado por milhares de pessoas antes deles. Um deles, com a câmara pendurada no pescoço, tenta dar instruções sobre a melhor posição, enquanto outro observa ao fundo, distraído, o movimento da cidade.

Sento-me mais confortavelmente no banco, sentindo o peso do calor e um burburinho constante que nunca se dissolve. O som de uma criança a correr com o seu brinquedo parece ecoar por todo o centro histórico. De repente, o grito de um vendedor ambulante chama a atenção de um grupo de turistas. Está a oferecer souvenirs a preços acessíveis, mas ninguém se interessa. Alguns olham, outros negam com um gesto, e ele, sem perder a compostura, continua a sua busca pelo próximo cliente.

À minha esquerda, um casal de turistas franceses, com mochila e telemóveis nas mãos, discute onde ir a seguir. Eles não falam alto, mas a maneira como olham para os prédios antigos e se empoleiram nas escadas de uma igreja para tirar fotos transmite uma sensação de imersão na cidade. Observo-os por um tempo, enquanto eles, por sua vez, olham para a fachada antiga, maravilhados.

A tarde começa a avançar e a cidade, que nunca realmente pára, parece desacelerar um pouco. As ruas estreitas começam a esvaziar, e a luz dourada do sol, já mais baixa, ilumina as fachadas de pedra, dando-lhes um brilho suave. A mistura de cheiros – de comida de rua, do mar distante, das flores que ainda estão por ali – fica mais pronunciada à medida que o dia chega ao fim. Continuo sentado, absorvendo tudo ao meu redor. Macau é, verdadeiramente, um lugar onde o passado e o presente se encontram em harmonia, e onde, mesmo em meio ao caos urbano, há sempre um espaço para o silêncio e a contemplação.

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