Um pardal em Lisboa
O Rossio é um lugar onde a agitação de Lisboa parece pulsar sem descanso. Ao sentar-me na minha cadeira portátil com vista para a praça, sinto a vivacidade que me rodeia. Está uma tarde ensolarada, mas o vento, vindo do Tejo, traz uma frescura inesperada. Ao longe, o imponente Teatro Nacional D. Maria II ergue-se, silencioso e firme, como um observador solitário de toda a movimentação que ocorre dia após dia.
Entre o tráfego e o som constante das conversas, há um momento em que o ruído parece acalmar-se. Dá para ouvir o cantar de um pardal, que repousa numa das árvores da praça. É um canto repetitivo e simples, mas, por algum motivo, consegue sobressair. Sinto-me em paz por um instante, até que o zumbido de uma mota a passar na rua quebra o encanto. O som é agudo, quase irritante, e passa com rapidez, mas o suficiente para me despertar.
Ao meu lado, um casal de turistas está concentrado num mapa. Pela entoação das palavras e a dificuldade em entender-se com o nome das ruas, parece-me que são franceses. Observam com atenção, apontando para a direção da Baixa, mas os olhares dispersam-se para as outras ruas, cada um com um ar de descoberta e confusão. Poucos metros adiante, um grupo de jovens fotografa perto da estátua de D. Pedro IV, tentando enquadrar o monumento e as fachadas históricas ao fundo.
Uma senhora de idade senta-se perto de mim e suspira. Veste um casaco grosso, apesar do tempo agradável. Parece perdida nos próprios pensamentos, com as mãos a segurar uma pequena bolsa que repousa no seu colo. Passados alguns minutos, levanta-se calmamente e segue o seu caminho, deixando no ar um rastro de tranquilidade que me contagia por um breve instante.
As vozes
De repente, ouço um assobio agudo, vindo de um estafeta que estaciona o seu pequeno veículo comercial numa área onde é proibido parar. Sai do carro e olha ao redor, como que à procura de alguém. Finalmente, encontra a pessoa que esperava e entrega-lhe uma encomenda, trocando algumas palavras. Regressa ao carro, desliga o motor e segue sem pressa, sem que nenhum polícia de trânsito o tenha sequer notado.
Continuo a observar. O som de vozes sobrepõe-se, mas há um sotaque alemão que sobressai. Ao virar-me, vejo uma guia turística gesticulando para um grupo que a acompanha, explicando algum detalhe da praça, mas a atenção dos turistas parece estar dispersa. Cada um olha para um ponto diferente – alguns para as fachadas dos cafés históricos, outros para detalhes do chão. É curioso como, no meio de tanta informação, o olhar perde-se em busca de algo que faça sentido. Alguns tiram fotos, outros riem e seguem adiante, deixando para trás o eco das suas vozes.
Levanto a cabeça e, de repente, noto um pombo a caminhar despreocupadamente perto dos meus pés. Movimenta-se com uma calma notável, como se fosse dono do espaço. Muitos turistas tentam evitar a aproximação dos pombos, mas ele parece não se importar. Sigo-o com o olhar até que se perde entre as pernas das pessoas que passam apressadas, cada uma imersa na sua rotina.
O telemóvel
Um jovem ao meu lado atende o telemóvel. Aparentemente, está numa conversa de trabalho. Pergunta se é preciso enviar um documento por e-mail. Reflete por um segundo, murmurando algo sobre a rapidez dos meios digitais e a facilidade que trazem em resolver assuntos que antes dependiam do correio. Sorrio para mim mesmo, pensando em como o tempo mudou, e tudo o que antes era feito à mão agora é resolvido num toque.
Alguns segundos depois, uma porta de carro range, sinal de falta de óleo, interrompendo o som das vozes. É o estafeta que, agora, retorna ao seu veículo. Com um ar despreocupado, liga o motor e sai da área proibida, sem ser questionado. Teve sorte, penso. O som do motor vai diminuindo, e volta aquele fundo de murmúrio constante, como se nunca tivesse cessado.
Olho em redor, e noto como o Rossio atrai um público tão diverso. Turistas, locais, jovens, idosos – todos circulam numa harmonia desordenada. Mais turistas do que locais. De um lado, passa um grupo de espanhóis, a discutir animadamente algum ponto turístico. Do outro, um homem com um casaco cinzento avança a passos largos, o olhar fixo no chão, como se as pedras da calçada tivessem algo a lhe revelar.
Num momento, avisto uma guia turística amiga com quem troco um rápido cumprimento. Ela conduz um grupo grande de turistas, os quais seguem o seu ritmo, mas ainda parecem deslumbrados com a cidade ao redor. É interessante pensar como essas guias interpretam a cidade de um jeito que nenhum guia de viagem impresso ou eletrónico consegue fazer.
Vendedores de souvenirs
À medida que observo, percebo que as minhas costas começam a protestar. A posição no banco não é das melhores, e movo-me um pouco para aliviar o incómodo. Ainda assim, fico onde estou, imerso no constante desfilar de pessoas. De repente, reparo que os vendedores de souvenirs e as figuras que tentam convencer turistas a comprar pacotes de excursão voltaram a aparecer, depois de um breve intervalo em que haviam sumido. Aproximam-se dos turistas, oferecendo-se em inglês e espanhol, num esforço incansável de captar o interesse de quem passa. A maioria responde com um gesto simples, recusando a oferta.
Um carro de polícia passa lentamente pela praça, e as pessoas desviam-se instintivamente, abrindo espaço para a patrulha. Não há urgência, apenas uma presença que é, por si só, um sinal de segurança para quem observa.
Volto o olhar para as árvores, e o canto do pardal de antes continua a ecoar. Sinto que, embora nada pareça parar no Rossio, há pequenos intervalos de silêncio, onde o burburinho humano quase cessa e deixa espaço para os sons naturais. É uma pausa sutil, quase impercetível, mas que traz uma sensação de calma inesperada para um lugar tão cheio de vida.
Ao longe, um artista de rua começa a tocar viola, e uma pequena multidão forma-se ao redor. As notas fluem, e o som suave da música sobrepõe-se ao ruído da praça. Fico alguns minutos apenas a ouvir, a melodia a envolver-me, como se fizesse parte daquele instante. O silêncio nunca é absoluto no Rossio, mas, mesmo no meio à confusão, há sempre uma nota, um detalhe, um som que chama a atenção e quebra a monotonia.
Sinto que a cidade respira ao meu redor, viva, vibrante, e enquanto o tempo passa, deixo-me envolver por cada detalhe, cada som, cada figura que cruza o meu olhar. Um pardal pousa novamente na árvore ao meu lado, cantando o mesmo verso repetido. É para lembrar que, apesar da constante mudança ao nosso redor, há certas coisas que permanecem sempre as mesmas.
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