Crónica em Time Square
Em pleno coração de Times Square, em Nova Iorque (EStados Unidos da América), encontro-me parado, quase imóvel, enquanto o caos ao meu redor parece nunca parar. Esta é uma das praças mais movimentadas do mundo, onde o fluxo interminável de pessoas, carros e luzes cria um ambiente vibrante, mas também exaustivo.
Por um momento, algo raro acontece: o ruído constante da cidade, formado por apitos de automóveis, conversas apressadas e o som incessante de motores, é suavizado por um breve instante de silêncio. O que parece impossível num lugar assim acontece. Apesar da multidão que se move como um rio impetuoso ao meu redor, consigo ouvir, ao longe, a melodia de um saxofonista de rua. Está tocando uma música suave, tentando se fazer ouvir em meio ao tumulto.
Paro perto de um dos quiosques que vendem ingressos para os espetáculos da Broadway, e o movimento contínuo das luzes dos painéis publicitários gigantescos quase me faz perder a noção do tempo. Aqui, é como se fosse sempre noite e dia ao mesmo tempo. As luzes piscam, mudam de cor, brilham com intensidade, transformando as ruas de Manhattan numa galeria ao ar livre, onde o céu está constantemente iluminado por promoções de produtos, filmes e musicais. As cores vibrantes dos ecrãs eletrónicos refletem nas poças de água no chão, resultado de uma breve chuva que caiu há pouco tempo, criando reflexos caleidoscópicos que dançam a cada passo apressado.
Ao meu lado, um grupo de turistas parece hipnotizado pelas luzes, como borboletas atraídas por uma lâmpada. Cada um deles segura uma câmara, ou um telemóvel, tentando capturar o ambiente ao seu redor. São imagens que não fazem jus à sensação de estar aqui, pois Times Square é uma experiência que vai além da visão. É o som, o cheiro, a vibração constante do solo, quase como se toda a cidade estivesse viva e pulsante.
Um dos turistas, um homem com boné virado para trás e expressão determinada, tenta desesperadamente tirar uma selfie com o icónico letreiro da Coca-Cola ao fundo. Faz várias tentativas, mas acaba cortando metade do rosto em todas as fotos. Sem perceber, solto um leve sorriso, apreciando o esforço e a frustração visível.
A poucos metros de mim, um dos icónicos táxis amarelos de Nova Iorque trava de forma abrupta ao lado de uma mulher que gesticula freneticamente, acenando na sua direção. O motorista faz um gesto com as mãos, parecendo brigar com a senhora devido à sua pressa. Ela, no entanto, ignora completamente e entra no táxi como se nada tivesse acontecido. Em seguida, o som penetrante de uma sirene invade o ar, e um carro da polícia surge acelerando pela avenida, as suas luzes piscando em vermelho e azul, abrindo caminho pela multidão de veículos que disputam espaço na rua. É uma cena que parece saída de um filme, mas aqui é apenas mais um dia normal.
Continuo parado no meu lugar, como se fosse um observador invisível no meio deste mar de gente. As pessoas passam por mim, algumas com destinos claros em mente, andando com passos rápidos e decididos, enquanto outras parecem vagar sem rumo, talvez apenas absorvendo o caos ao seu redor.
O som de vozes mistura-se numa cacofonia confusa, em várias línguas. Consigo distinguir conversas em inglês, espanhol, francês, chinês e até algumas em alemão, vindas de grupos de turistas que se acotovelam para tirar fotos em frente aos letreiros luminosos. Sinto-me como uma ilha de calma no meio deste oceano de movimento.
A minha atenção é atraída por um grupo de jovens que passa rindo alto, ignorando completamente o ruído e as distrações ao redor. Um deles carrega um copo de café enorme, que balança de um lado para o outro enquanto gesticula energicamente, contando uma história que faz os outros gargalharem ainda mais. Ao lado deles, um artista de rua faz malabarismos com tochas flamejantes, enquanto alguns curiosos param para assistir. Os olhos das pessoas brilham com a luz do fogo, refletindo a adrenalina do momento.
O cheiro de pretzels e a cachorros quentes, vendidos nos carrinhos de comida que estão por toda parte, invade o ar, misturado com a brisa fria que sopra pelas ruas.
Levanto a cabeça e vejo um enorme painel de LED exibindo o anúncio de um novo musical da Broadway, com as luzes piscando freneticamente. O tempo aqui parece suspenso, embora o fluxo de carros e pedestres nunca pare.
Uma mulher ao meu lado está falando ao telefone, com uma mão segurando uma bolsa e a outra tentando equilibrar um copo de chá gelado. A sua voz é alta, como se estivesse lutando contra o barulho ao redor para ser ouvida do outro lado da linha.
Um estafeta numa bicicleta elétrica passa ziguezagueando entre os carros e pedestres, quase colidindo com um homem que atravessava distraído, mas ambos se esquivam no último segundo, sem nem ao menos trocarem olhares. Tudo continua como se nada tivesse acontecido. O ritmo frenético da cidade não permite pausas.
Enquanto observo, percebo que, apesar de tudo, há uma harmonia no caos. Cada pessoa, cada som, cada movimento parece fazer parte de uma sinfonia urbana complexa, onde até a desordem tem seu lugar. Um homem com um casaco surrado passa com pressa, com as mãos enfiadas nos bolsos, murmurando algo para si mesmo. Talvez esteja aborrecido com o trânsito, ou com algum problema pessoal, mas ninguém ao seu redor parece notá-lo. Assim como eu, ele é apenas mais um rosto anónimo no meio à multidão.
O tempo passa e, de repente, sinto uma brisa fresca que me faz perceber que a noite está começando a cair. As luzes de Times Square, no entanto, tornam a transição do dia para a noite quase impercetível. As sombras dos prédios começam a se alongar, mas o brilho dos ecrãs eletrónicos parece competir com o próprio sol, recusando-se a ceder à escuridão. Olho ao redor, mais uma vez e, assim como no início, embora rodeado por uma multidão de estranhos, há momentos em que me sinto completamente sozinho.
O som do saxofonista ainda pode ser ouvido ao longe, persistente, apesar da confusão ao redor. E, por um momento, percebo que, assim como ele, todos aqui estão tentando fazer a sua voz ser ouvida no meio desse vasto coro urbano.
Paulo Camacho
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