O navio que não tocou a melodia toda


Acordei hoje ainda o sol não tinha vencido a lua na sua troca de lugares diária no horizonte que orienta as nossas vidas. O que antes era um hábito ir à janela para apreciar os navios de cruzeiro que estavam já no porto do Funchal hoje foi especial. E sobressaiu por duas razões: a primeira, pela surpresa. Apesar de saber que vinha, o normal dos últimos meses que me levam sempre à janela, virou exceção. Nem queria acreditar que estava a ver aquela Pontinha iluminada pelas luzes coloridas do 'Disney Wonder'. Parecia uma criança numa loja de doces.

E a segunda razão é que me permitiu voltar a fotografar navios. 

Fiz os primeiros registos com o telemóvel, pela facilidade de congelar momentos. Mas, a verdade é que, se durante certas ocasiões até pode fazer a vez de uma máquina, na realidade, ainda por cima numa noite cerrada como estava, por mais que ajustasse no Pro, o grão não me ia deixar ver uma fotografia imaculada.

Por isso mesmo fui buscar uma das câmaras, sempre Canon, peguei numa peça de roupa que esteve a enxugar mas que já estava seca, programei a máquina e fui disparando, ajustando sempre para conseguir o melhor. O meu melhor, entenda-se, porque não tenho equipamentos F1. Permitem-me registar os meus momentos mas sei que há um longo caminho que separa estes equipamentos de outros, que precisam sempre de mestria para os manejar.

Conforme o dia ia clareando, com o sol a iluminar o dia não sem que antes se espreguiçasse sobre as desertas alaranjado, fui fotografando, sem exageros, entenda-se, enquanto preparava tudo para levar o meu filho Rodrigo à escola. E depois até eu próprio descer para a Secretaria Regional de Turismo e Cultura.

Depois perdi o rasto do navio da Disney que conseguia ir controlando a escala vislumbrando entre as árvores as suas icónicas chaminés vermelhas com o logo amarelo do Mickey estampado. Nem tive tempo de ir vê-lo de mais de perto, da ponta do cais, pois estava atracado mesmo em frente. 

Os dias de trabalho são muito preenchidos pelo que só voltei a vê-lo quando regressei a casa já noite. Ou melhor, viu-o quando passei de carro, à tarde, com uma boa luz, quando regressava ao Funchal depois de ter estado na Calheta e na Ribeira Brava.

Quando cheguei a casa voltei a olhar para o navio da minha varanda num tempo que ainda não que obriga a usar agasalhos. Estava de manga curta. 

Não fiquei muito tempo e fui fazer diversos afazeres. Despertei quando apitou ainda não eram 20 horas. Queria ouvir aquela melodia da Disneu que diferencia as partidas. Contudo, a sequência que surgiu depois dos apitos foi curta. 

O navio, que entrara de proa, começou a manobrar e a dar a ré. Parou a marcha, rodou a proa para bombordo e seguiu.

Acompanhei a saída para saciar a saudade de ver os navios partirem, sabendo que haverá outra vez um vazio. E também o fiz na esperança de ouvir a melodia que esperava voltasse a acontecer mas de forma mais prolongada. Voltou a pincelar o silêncio com uns pequenos acordos, mas nada do que esperava. Fiquei triste, confesso.

Vi o navio partir, iluminado, mas sem a vida, e sem o barulho que costumava ouvir nas saídas dos paquetes em direção à próxima escala. Tinha o enorme écran ligado no convés superior, mas as outras luzes eram estáticas, sem movimento, a indiciar que não haviam passageiros a bordo. 

Fui vendo sair, sempre alimentando a tal esperança de que o comandante desse um ar da sua graça, mas o Disney Wonder acabou por perder-se na escuridão, no seu rumo para o outro lado Atlântico.

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