Convento de São Francisco

O Convento já em demolição
📷  Arquivo Regional da Madeira  📷
A manhã está solarenga. Desço até ao centro do Funchal.
Um impulso leva-me ao Jardim Municipal. Na esquina da Avenida Arriaga com a Rua de São Francisco, iluminado pelo sol, um trabalho esculpido na pedra branca, colocado ao alto, desperta-me.
Mais uma vez, aproximo-me. Na base, entre a erva, leio o que uma outra pedra, negra, tem escrito: “Pedra de armas pertencente ao Convento de São Francisco erigido neste local no terceiro quartel do século XV e demolido no terceiro quartel do século XIX”.
Vêm à memória imagens que tinha visto do Convento desaparecido assim como tudo o que tinha lido acerca da sua existência, que muitos residentes na ilha desconhecem por completo.
Sempre me inquietou demolir História para dar lugar ao que quer que seja, neste caso, a um jardim.

Desta vez, senti uma atração maior pelo lugar. O melhor é sentar. Olhei em volta à procura de um banco. O mais próximo fica à esquerda, a 16 passos. Sento-me e olho sem fixar. Ouço varrer. Não percebo de onde vem o som. Ecoa e confunde ainda mais.

Vozes baixas captam agora a minha atenção. Parecem convergir numa oração.
Vêm da frente da igreja muito grande de um só nave, muita fresca e quase toda coberta por azulejos, tal como existem na torre vistosa da igreja, no exterior. Uma torre com o topo muito semelhante às igrejas de São Pedro e do Convento de Santa Clara, que ficam próximas, a norte, pela referida ordem.

Sentado, perto da entrada, vejo pessoas a entrar. São cada vez mais. Começa a missa, uma das largas dezenas que ali se realizam todas semanas. Assisto a grande parte da missa sem perceber o que dizem, parece latim. Mas aquele ambiente acolhedor e a temperatura fresca fazem-me ficar, até que decidi sair antes de acabar.
No adro, o sol continua belo e quente naquela manhã de junho. Lá fora estão pessoas sentadas nas escadas de acesso ao adro. Algumas, cabisbaixas, parecem querer ajuda.

Vou até ao muro onde descanso as mãos. Um olhar para sul mostra-me o mar que espraia, ali perto da Rua das Fontes, até onde vai o perímetro do Convento de São Francisco.
À esquerda, muito perto, está o chafariz, e, lá ao fundo, fica a Sé, que tantas quezílias se vê envolvida com os franciscanos que gozam de grandes privilégios atribuídos pela monarquia. E ganham cada vez mais poder na ilha onde se encontram desde o início da povoação. Por isso, o Convento ocupa um importante papel na história da Madeira ao longo de séculos.

Depois de um hospício construído em São João, os franciscanos querem ficar mais centrais. Por isso, avançam para um terreno doado por Clara Esteves.
As obras da primeira fase do Convento começam no último quartel do século XV. Alguns anos depois já tem religiosos.
A igreja e Convento passam décadas sempre em obras e ampliações. O terreno é enorme. Ali cultivam tudo o que necessitam e têm adegas.
Há uma vida imensa no Convento de São Francisco onde chegam a viver cerca uma centena de religiosos.

… um, dois, experiência… tou, som... i, Ouuu… um, dois, tá, som…
E começa uma música de marchas de Santo António.

Terei adormecido e talvez sonhado com o Convento de São Francisco, extinto em 1834, tal como outros no País. Ainda foi o Asilo de Mendicidade do Funchal, mas, no terceiro quartel do século XIX veio abaixo.

Deixo o jardim.
Sento-me agora num dos bancos de pedra na Avenida Arriaga, e olho para a esquina onde estive.
Apesar do som irritante de música brasileira que ouço à minha direita, do dançarino com a sua companheira magricelas articulada que segue sem cessar os seus passos, tento abstrair-me e imaginar a vida que existiu no Convento e à sua volta.
Imagino igualmente o valor patrimonial, arquitetónico e histórico que decisores sem visão decidiram deitar abaixo. Não porque esteja contra o jardim mas por terem apagado o Convento para o fazer.

Paulo Camacho
paulosilvacamacho@gmail.com

in JM 02.07.2018

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