Sozinho na multidão


O som da cidade é uma sinfonia ruidosa e implacável, de buzinas estridentes, de milhares de sapatos apressados e de fragmentos de conversas que flutuam no ar frio do final da tarde. 

Estou parado na Praça do Comércio, em Lisboa, onde o amarelo vibrante dos edifícios e o azul imponente do Tejo se encontram. 

A multidão, densa e constante, flui em meu redor como um rio imparável.

É apenas mais um rosto, um casaco cinzento e um olhar fixo no meio da maré de gente, mas o vazio dentro de mim é maior e mais pesado do que o peso da praça inteira. 

Há mais de um ano que a depressão é uma companheira constante. 

Não é uma melancolia ocasional, mas uma névoa espessa e fria que se apoderou da liberdade, amortecendo todas as cores, todos os sons e, pior de tudo, todos os sentimentos.

As pessoas passam por mim, riem, falam ao telefone, apressam-se para os seus destinos, talvez para um jantar quente, para um abraço, para outro propósito qualquer. 

Cada sorriso que vejo é uma marca suave, uma lembrança do mundo vibrante do qual se encontra distante.

Sinto-me como um ator numa peça terminada há muito tempo, ainda preso no palco, sem saber como sair.

Um jovem casal fica perto de mim. Tira uma selfie enquadrada com o arco da Rua Augusta. 

A felicidade deles é tão evidente, tão imediata, que tenho de desviar o olhar. Lembro-me de uma altura em que sentia essa mesma alegria simples, uma altura em que a luz do sol realmente parecia quente, e não apenas um brilho indiferente.

Penso: "Estou rodeado por milhares de vidas, cada uma com as suas histórias, preocupações e alegrias. Se cair aqui, talvez demorem minutos até alguém notar. E se notar, o meu problema será uma inconveniência momentânea, uma mudança de percurso no seu percurso apressado."

A solidão não é a ausência de pessoas, mas a ausência de ligação, mesmo estando entre elas. É a distância inultrapassável entre a minha escuridão interior e a luz partilhada do mundo exterior. 

Tenho tentado sair dela. Mantenho a ligação à minha médica, leio, forço-me a sair de casa. 

Mas a depressão é parasita, silenciosa e teimosa, rouba a vontade e transforma cada pequeno passo numa escalada difícil.

Sinto uma pequena esperança, tão breve que mal tenho tempo de a reconhecer. É o som de uma gaivota que plana sobre a praça, talvez um símbolo de liberdade. Fixo o olhar na ave, respirando fundo o ar salgado do rio, uma ténue promessa de que a vida ainda existe, para além da dor.

Continuo parado, imóvel no meio do caos e da beleza. Não sei se a névoa se irá dissipar amanhã, na próxima semana, no próximo ano, ou nunca. Sei sim que, de alguma forma, tenho de continuar a andar. É o único ato de resistência que me resta.

Com um esforço imenso que ninguém na multidão repara, dou um pequeno passo. Depois, mais um. Lentamente, começo a andar em direção à margem, não em busca de um destino, mas apenas de um lugar para parar e respirar onde a multidão seja um pouco menos densa, levando comigo a solidão invisível, mas marcante, pelo coração da cidade. 

Mas o caminho é longo e debilitante. E muitos passos que luto para dar encontram pedras que desestabilizam e fazem recuar, perder-me na minha confusão mental que me desvia da alegria.

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