A Vista da Pontinha

📷  Paulo Camacho  📷
O silêncio impressiona. Estou a centenas de metros do barulho dos carros, mas não ouço nada do movimento na Avenida do Mar e das Comunidades Madeirenses, no Funchal. O som está ausente por aqui, na área de estacionamento da Pontinha.

Vejo a cidade que beija o mar e a serra, delimitada a leste pelo Pico da Cruz e, a oeste, pelos montes do Palheiro Golfe. A parede, à direita, tapa o resto.
Agora ouço o barulho do ar que sai e entra nos respiradores do porto, devido ao movimento do mar. Conheço-o desde criança.
Há um martelar distante à minha esquerda. Olho mas a origem esconde-se. Também não importa. Pára, e volta mais baixo.
O silêncio acaba por imperar neste lugar com vista privilegiada.

Vozes pincelam a quase ausência de sons. São de ingleses: um adulto e um adolescente, talvez pai e filho. Treinam em bicicletas de corridas. Normalmente vejo-as por aqui, mas com locais.
Estão equipados a rigor, como os profissionais do ‘tour’. Partem. Daí a pouco voltam e ficam com as bicicletas paradas junto à vedação. Um pé no pedal e outro no chão. Conversam baixo, já não ouço qualquer palavra. Contemplam a cidade.
Seguem o treino.
Atrás de mim, em cima da parede de proteção do porto, alguém diz alto um nome esquisito. Parece que chama um dos falcões que afugentam as gaivotas para não conspurcarem o porto.
O silêncio volta.
Não há navios de cruzeiros.

Uma carrinha de turismo preta chega e estaciona três lugares à minha direita. Tem os vidros fumados. O condutor muda de roupa. Fecha o carro e começa a correr.
Desprendo-me do que está à minha volta e olho em frente. Estacionei no alinhamento da torre da Sé, do outro lado do mar. À sua direita, mais junto à Praça do Povo, vejo o novo mastro com a bandeira da Região Autónoma da Madeira. É a área marítima da marina e do cais 8.
De leste surge de rompante um barco de pesca desportiva, de casco azul. Vem com turistas. Tão depressa chegou como desapareceu.
Um senhor de cabelo branco vem a pé, da esquerda, junto à rede de segurança. Talvez para não se perder. Anda sem pressa. Sempre à mesma distância da vedação segue até a parede, abaixo do farol. Roda apertado para continuar junto à armação metálica e volta para trás.
Os ingleses ciclistas passam por mim outra vez. Não param.

No mar só há movimento da ondulação larga, até que parece estar a ver um náufrago, quase a chegar a terra, em cima de uma madeira que sobrou. Um remo permite que avance. Na verdade, está a fazer Puddle. Mas a maneira como surgiu, muito magro e de calções escuros, despertou-me essa imagem.
Volta o sossego em terra e no mar.
Dei por mim a recuar no tempo. A imaginar os navios que fundeavam neste mar. Aquele movimento dos passageiros que iam a terra em lanchas, e de outras em redor dos navios com bomboteiros a tentarem vender coisas aos viajantes como bordados e vimes. Uma imagem idílica que fui buscar às fotografias que, felizmente, alguém registou.
Como seria bom conseguir andar para trás e vivenciar um momento desses. Sei lá, talvez recuar até aos anos 30. Poder estar a ver um mar cheio de navios que atravessavam o Atlântico e que faziam uma escala na cidade. E vê-los com o Funchal por trás…
Seria lindo, pois seria, mas não poderia estar aqui com o carro, não porque fosse proibido mas porque era mar nessa altura. Só se estivesse a bordo de uma canoa.
Um carro chega e estaciona junto à vedação. Não é lugar para o fazer. Lá dentro está uma senhora e uma criança. Ouvem alto a música La Bicicleta, de Shakira e Carlos Vives. Não ficam muito tempo.
Momentos depois, um arranque anormal de um carro desperta-me à direita. Surpreende pelo barulho, mas anda pouco. Ao volante, está um jovem com meia dúzia de pelos a fazer de barba. Olha para o lado do passageiro com cara de quem se sente um campeão de ralis.
Regressa o silêncio. Algumas pessoas vêm e voltam numa passada ritmada, mas não se fazem ouvir.
Da direita chega um barco pneumático cheio de turistas. Foram avistar cetáceos. Daí a pouco vem um barco com arquitetura tradicional da ilha, mas a um ritmo mais lento. Também transporta turistas que viram igualmente cetáceos mas, sobretudo, o litoral da ilha da Madeira.
Chega o condutor da carrinha que foi correr. Daí a pouco segue viagem.
No mar, aproxima-se tranquilamente a nau. Também traz turistas que se deliciam com a viagem no século XXI numa réplica do século XV.
Aproveito para sair e deixar o silêncio atracado no porto.

Paulo Camacho

paulosilvacamacho@gmail.com

In JM 23.07.2018

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