À procura da casa de Ronaldo

Estou atento para encontrar a Rua da Quinta Falcão, à esquerda de quem sobe a Rua Campo do Marítimo. Entro e conduzo devagar. A manhã ainda se espreguiça. Não vejo ninguém. À frente, volto à esquerda e subo. Depressa estou no alto. Conheço o quadro.
Há dias estive por aqui à procura da casa de infância de Ronaldo. Mas, nessa altura, saí com mais dúvidas do que entrei.
Agora tenho de encontrar a casa. Não vejo vestígios. Tudo é muito semelhante.
Dou a volta às árvores entre duas ruas e volto para trás. A retomar a rua principal cruzo-me com um casal que acaba de subir, a pé. Pergunto onde fica a casa de Ronaldo. A resposta surge com espanto. É mesmo ali, indica-me, no princípio da descida, à direita, num largo, junto à grande casa azul.
Agradeço.
Vou até lá.
Estaciono o carro voltado para a saída. Olho em volta, para o espaço pequeno. Não há sinal de ter vivido por ali. Não há bustos, placas, nada que diga ser mesmo aquele o lugar. Apenas uma casa habitada atrás de mim. Mas sei que não vive ninguém na casa que procuro.
A fotografia de Georgina Rodriguéz que vi há poucos meses com Cristiano Ronaldo neste cenário surge na memória. Os dois, aquela rede metálica, e a casa azul atrás. Estou no lugar certo. Mas continuo sem ver a casa.
Admito que nem ruínas existam. Há qualquer coisa nos meus arquivos acerca dessa fase da vida que nunca dei importância. Aliás, não só não sei onde é a casa como não sabia onde era a Quinta Falcão.
Vejo uma parede alta, à esquerda. Tem uma porta e uma janela tapadas com blocos. A construção cinzenta protege um monte de terra. Será o que resta da casa do Ronaldo?
Chega um carro. Um senhor que o conduz olha para mim. Admito que estou a ocupar o seu lugar. Tiro essa dúvida. Fico sem saber.
Aproveito para encontrar as respostas que procuro.
A parede de blocos não tem nada a ver, era uma carpintaria, ou algo por aí.
Mas não deixou de desfazer as minhas dúvidas. Aponta no sentido oposto e, com o dedo, traça no ar as linhas da casa que já não existe. Explica como era a habitação e as suas divisões.
Ups... apercebo-me que tenho o carro num dos quartos. Ah... pois, não há problema porque tudo foi derrubado e coberto com o asfalto no largo onde cabem 5 ou 6 carros. Restam uns degraus da casa, dois ou três, que subo do desnível… até o asfalto.  
O senhor com que conversei é discreto. Vive ali há muitos anos. Tantos que lhe permitem lembrar que aquele terreno não era nada antes da família Aveiro ali residir. Viu a casa ser construída, habitada, e depois, presenciou o desaparecimento.
Guarda recordações de todos, incluindo daquele que cedo percebeu que tinha um jeito especial para tratar a bola, que o acompanhava sempre.
Lembra-se de um dia que saiu de casa e Cristiano Ronaldo, com uns 5 ou 6 anos, brincava na rua a dar toques na bola. Sempre a ouvi-la saltitar cada vez mais longe, ao chegar ao fim da rua, olhou para trás e viu que continuava a não deixar a bola cair no chão.
Pergunto se passam por aqui muitas pessoas à procura da casa de Ronaldo. Praticamente todos os dias, responde. Muitos estrangeiros. Não sei como chegam e depois como sabem que é aqui porque nada identifica. Muito menos há qualquer ligação com o famoso morador que viveu aqui os primeiros anos da sua vida, até ir para Lisboa, jogar no Sporting. Enquanto residiu na Quinta Falcão começou a jogar no Andorinha, onde o pai colaborava. Depois esteve no Nacional.
Chega um familiar do senhor com quem converso. Diz que vai aproveitar e leva as compras que deixou no carro.
Sozinho, afasto-me e foco-me no que aquele dedo tinha indicado...
Oiço uma bola a saltitar de alguém que faz o 31. Olho em volta. Não vejo vivalma. Continuo a ouvir o tac-tac-tac-tac…
Ligo a ignição do carro. Subo a rampa, volto à direita e desço a Rua da Quinta Falcão.
Deixo em sossego o largo sem nome nem inscrições, nem nada físico que recorde o melhor do mundo. Talvez seja dispensável.

Pela rua abaixo, até chegar à do Campo do Marítimo, continuo a ouvir, à minha direita, a bola a saltar ritmada, sem interrupções, num som que se afasta de um tac-tac-tac-tac …

Paulo Camacho

paulosilvacamacho@gmail.com


in JM 16.07.2018

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