Crónica na minha cidade

📷  Paulo Camacho  📷
Faz-se silêncio num lugar cheio de gente. Dá para ouvir um melro preto numa das muitas árvores que circundam.
Sentei-me em frente ao Teatro Municipal Baltazar Dias, no Funchal. O banco é de pedra, basalto. Viro-me para o lado da rotunda e avenida do Infante.
Sem olhar na sua direção ouço vozes soltas. Uma delas desperta-me pela forma como saem as palavras, como quem acabou de meter uma batata quente na boca. Parece-me alemão. Olho e vejo uma guia que acompanha um grupo de turistas que olham para todos os lados menos para ela. Pois, devem estar a seguir com a vista o que as palavras explicam. Pode ser, mas estão deve estar a falar de muitos assuntos ao mesmo tempo porque cada um olha para um lugar diferente. Outras tiram fotografias.
Seguem caminho. Eu, continuo aqui sentado, a escrever no tablet que descansei sobre as pernas.
Um carro de uma empresa comercial aproxima-se devagar. Pára a uns 2 metros de mim. O condutor sai anunciando-se por um assobio para alguém que não o ouve. Tem de chamar: “Olha...”. E segue em sua direção. O carro fica imóvel sobre o passeio central da Avenida Arriaga, onde não se pode circular e muito menos estacionar.

Faz-se silêncio num lugar cheio de gente. Dá para ouvir um melro preto numa das muitas árvores que circundam.
A senhora que se sentou do outro lado do banco de pedra já carregou as baterias e saiu tão calmamente como chegou.
Sem levantar os olhos chega-me o som de uma mota. Depois, o de um autocarro e outro de um carro mais pequeno que quase desaparece na sua pouca sonoridade. Para compensar um outro emite um som muito mais agudo. Levanto a cabeça e vejo que é uma carrinha de transporte de carga que trava para dar passagem a um peão que não agradece. Não sei se o tem de fazer. Eu agradeço.
Agora não consigo ver os angariadores de time sharing que não se cansam de cansar os turistas que passam. A maioria levanta as mãos a dizer que não quer nada. Uns continuam a insistir na procura de vender semanas de habitação periódica em unidades hoteleiras da ilha.

Apesar de ouvir agora muitos sons cruzados, o chilrear dos melros pretos consegue sobressair. São muito repetitivos na sonoridade. Por isso, não se deve transpor para a nossa linguagem porque quando somos repetitivos é sinal que há alguma avaria no sistema.
Uma voz anuncia-se. Não compreendo o que diz. Olho e vejo um homem que surge da direita com as mãos atrás das costas. Vem sozinho e não fala ao telefone. Talvez tenha dormido mal a noite ou barafusta por causa do mau tempo de junho que tarda em deixar assentar o tempo quente de um verão que está à porta. Segue sempre com a sua voz.
Um pombo sai debaixo do banco. Esses animais graciosos que muitos gostam mas poucos sabem que são ratos voadores devido às doenças que podem transmitir.
À minha esquerda um jovem pergunta a alguém, pelo telemóvel, se quer que mande por email? Na verdade, o tempo das cartas já lá foi. A rapidez de hoje das comunicações digitais, que permitem uma celeridade no envio e em receber a resposta, além da gratuitidade, ditam as novas regras.

Entretanto, uma porta anuncia muita falta de óleo. É o condutor do carro que parou junto a mim. Liga o motor, faz marcha-atrás e vai embora. Teve sorte, não apanhou multa alguma.
Agora à minha esquerda passa outra pessoa a falar ao telemóvel. É jovem mas parece daqueles mais entrados que nunca falam no telefone móvel e conversam muito alto. Deve ser para aumentar a força do sinal da rede. Se falar baixo não chega ao outro lado.
Olho em redor. Sobressaem mais turistas que locais. Uns vão para um lado e outros no sentido inverso. É sinal de uma cidade cosmopolita. Os angariadores continuam atentos.
Passa uma guia-intérprete amiga com um grupo muito grande de turistas. Cumprimentamo-nos e segue o seu caminho. São elas que evidenciam realidades dos destinos, de uma forma que não pode ser assimilada por guias de viagens, por mais reputadas que sejam as editoras. Sim, porque os guias de viagens têm de ser feitos pelos residentes e não por quem cai de paraquedas e escreve sem vivenciar a ilha. Evidentemente que existem exceções, como de um meu amigo dinamarquês, que mergulha durante longas temporadas na Madeira e no Porto Santo. Por isso, os seus guias são uma referência.
Entretanto, as costas começam a dar sinal que estou mal posicionado. O que é verdade. Os angariadores desapareceram. Talvez tenham cativado mais vendas. Os carros continuam a passar e as pessoas também.
Por hoje, fico por aqui.

Paulo Camacho
paulosilvacamacho@gmail.com

in JM 25.06.2018

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